Carta aberta para Rosa Cristina
Discurso do Senador Pedro Simon
Plenário do Senado - Brasília, 13/02/2007 Carta aberta à mãe do menino
João Hélio, 6 anos, morto de forma cruel por assaltantes no Rio de
Janeiro, dia 07/02/2007.
Mãe,
Conheço o tamanho da tua dor, que é a mesma do Élson e da Aline. Para mim, é, também, uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos.
Por que tamanha provação? Versões contemporâneas de Abraão? "Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e ofereça-o, aí, em holocausto, sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar".
Por que, então, o anjo de Javé não te ajudou a desatar aquela simples fivela, de um cinto dito de segurança, que permitiria devolver aos teus braços de mãe, o pequeno
João Hélio, o Isaac dos nossos tempos, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida?
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"
É nestes momentos que nos sentimos ínfimos, diante dos desígnios do Criador. Pior: é, também, nestes mesmos momentos que sabemos o quanto a humanidade se distanciou da Sua obra.
Disseste, "eles não têm coração".
Eles têm! É que nós utilizamos os dons que nos são ungidos e criamos, como novos deuses, a inteligência artificial, enquanto desdenhamos os sentimentos mais sublimes e naturais, aqueles que brotam, somente e semente, em corações fertilizados pelo amor e pela fraternidade. Ao contrário, permitimos que florescesse, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em
Brasília, em Washington ou em Bagdá.
É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão.
Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Ao contrário, que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nessa travessia terrena. Em outros tempos, não tão distantes, os valores morais e culturais se construíam sobre o tripé família, escola e igreja. Hoje, a família foi dilacerada. A escola, sucateada. A igreja, excomungada. No lugar, um novo, e perverso, tripé: a droga, a rua e a arma. A droga,
como estímulo. A rua, como palco. A arma, como poder.
Ainda naqueles outros tempos, as famílias se reuniam para contar, e para trocar, suas histórias de vida. Era um grande círculo de amizade e fraternidade. Família, escola e igreja, ao mesmo tempo e no mesmo espaço.
Respeito, aprendizado e bênção. Pais heróis. Hoje, o círculo familiar deu lugar a um semicírculo vicioso. No centro, a TV, e os novos heróis são aqueles que mais atiram, que mais batem, que mais matam. É a arte imitando a vida. Ou incentivando a morte. Ou vice-versa.
Vim, vi e envelheci. Mas, por mais que possam tentar tripudiar o meu discurso e a minha prática, porque, dizem, obsoletos, não mudei.
Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras. Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância. Pior: "em nome de Deus". São, todos, bárbaros, cruéis, desumanos.
É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que não se cumprem; novas punições, que servirão, tão somente, para alimentar a impunidade. Há que se ressuscitar as letras mortas. E, isso se faz, somente, com o grito estridente das ruas.
Como bem disseste, o teu filho não pode ser mais um número nas estatísticas da violência. Como em outros casos tão recentes, temo que a tua imolação seja esquecida, quando a comoção dobrar a esquina. Talvez, a mesma esquina em que foste abordada, tão covardemente. Mas, a tua dor, não. Nunca mais. A dor por um filho é eterna. Ela nos acompanha, até que o encontremos, de novo, em outra dimensão. Por isso, as tuas lágrimas têm que irrigar a indignação, que hoje toma conta de
estádios, de ruas e de lares. Das famílias, das escolas e das igrejas.
Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento do tripé que suporta outros valores, que não a barbárie.
Somos parceiros, nessa dor.
Em tempo: quando conversares com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurá-lo, entre todos os anjos.
Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança. Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência. Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai.
Um abraço fraterno,
Senador Pedro Simon
Plenário do Senado - Brasília, 13/02/2007 Carta aberta à mãe do menino
João Hélio, 6 anos, morto de forma cruel por assaltantes no Rio de
Janeiro, dia 07/02/2007.
Mãe,
Conheço o tamanho da tua dor, que é a mesma do Élson e da Aline. Para mim, é, também, uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos.
Por que tamanha provação? Versões contemporâneas de Abraão? "Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e ofereça-o, aí, em holocausto, sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar".
Por que, então, o anjo de Javé não te ajudou a desatar aquela simples fivela, de um cinto dito de segurança, que permitiria devolver aos teus braços de mãe, o pequeno
João Hélio, o Isaac dos nossos tempos, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida?
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"
É nestes momentos que nos sentimos ínfimos, diante dos desígnios do Criador. Pior: é, também, nestes mesmos momentos que sabemos o quanto a humanidade se distanciou da Sua obra.
Disseste, "eles não têm coração".
Eles têm! É que nós utilizamos os dons que nos são ungidos e criamos, como novos deuses, a inteligência artificial, enquanto desdenhamos os sentimentos mais sublimes e naturais, aqueles que brotam, somente e semente, em corações fertilizados pelo amor e pela fraternidade. Ao contrário, permitimos que florescesse, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em
Brasília, em Washington ou em Bagdá.
É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão.
Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Ao contrário, que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nessa travessia terrena. Em outros tempos, não tão distantes, os valores morais e culturais se construíam sobre o tripé família, escola e igreja. Hoje, a família foi dilacerada. A escola, sucateada. A igreja, excomungada. No lugar, um novo, e perverso, tripé: a droga, a rua e a arma. A droga,
como estímulo. A rua, como palco. A arma, como poder.
Ainda naqueles outros tempos, as famílias se reuniam para contar, e para trocar, suas histórias de vida. Era um grande círculo de amizade e fraternidade. Família, escola e igreja, ao mesmo tempo e no mesmo espaço.
Respeito, aprendizado e bênção. Pais heróis. Hoje, o círculo familiar deu lugar a um semicírculo vicioso. No centro, a TV, e os novos heróis são aqueles que mais atiram, que mais batem, que mais matam. É a arte imitando a vida. Ou incentivando a morte. Ou vice-versa.
Vim, vi e envelheci. Mas, por mais que possam tentar tripudiar o meu discurso e a minha prática, porque, dizem, obsoletos, não mudei.
Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras. Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância. Pior: "em nome de Deus". São, todos, bárbaros, cruéis, desumanos.
É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que não se cumprem; novas punições, que servirão, tão somente, para alimentar a impunidade. Há que se ressuscitar as letras mortas. E, isso se faz, somente, com o grito estridente das ruas.
Como bem disseste, o teu filho não pode ser mais um número nas estatísticas da violência. Como em outros casos tão recentes, temo que a tua imolação seja esquecida, quando a comoção dobrar a esquina. Talvez, a mesma esquina em que foste abordada, tão covardemente. Mas, a tua dor, não. Nunca mais. A dor por um filho é eterna. Ela nos acompanha, até que o encontremos, de novo, em outra dimensão. Por isso, as tuas lágrimas têm que irrigar a indignação, que hoje toma conta de
estádios, de ruas e de lares. Das famílias, das escolas e das igrejas.
Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento do tripé que suporta outros valores, que não a barbárie.
Somos parceiros, nessa dor.
Em tempo: quando conversares com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurá-lo, entre todos os anjos.
Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança. Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência. Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai.
Um abraço fraterno,
Senador Pedro Simon
Marcadores: Impunidade, Solidariedade
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